Translate / Tradutor

sexta-feira, 9 de agosto de 2013

Residência do Sumaré (RJ) - Íntegra da Entrevista exclusiva com o Papa Francisco

O pontífice recebeu o repórter Gerson Camarotti, durante sua visita ao Brasil. Na entrevista, o Papa abordou assuntos  como os escândalos no Vaticano e os desafios da Igreja Católica para atrair fiéis. Comentou também a acolhida que teve no Brasil, durante a Jornada Mundial da Juventude, e deu lições de humildade, solidariedade e humanidade.

O Senhor não esperava um pouco mais quente o Brasil?

Não, talvez esperasse um pouco mais de calor, mas não senti frio. Pra mim não, venho de um país mais ao sul. Conheço o frio de Buenos Aires. É uma temperatura de outono normal para mim.

Papa Francisco, o senhor chega ao Brasil e tem uma receptividade muito calorosa dos brasileiros. Há uma rivalidade histórica entre Brasil e Argentina, pelo menos no futebol. Como é que o senhor recebeu esse gesto de afeto dos brasileiros?

Eu me senti recebido com um afeto que desconhecia, de forma muito calorosa. O povo brasileiro tem um grande coração. Quanto à rivalidade, creio que já está totalmente superada. Porque negociamos bem: o Papa é argentino e Deus é brasileiro.

Uma grande solução, não é Santo Padre?

Acho que me senti muito bem recebido, com muito carinho.

Santo Padre, no Brasil o senhor utilizou ao chegar e continuou utilizando um carro modelo muito simples. Há notícias de que o senhor inclusive condenou padres que usavam carros de luxo pelo mundo. Eu queria saber, o senhor inclusive optou por morar na casa Santa Marta. Essa sua simplicidade é uma nova determinação a ser seguida por padres, por bispos e por cardeais?

O carro que estou usando aqui é muito parecido com o que eu uso em Roma. Em Roma uso um Ford Focus azul. Simples, do tipo que qualquer um pode ter. Sobre isso, penso que temos que dar testemunho de uma certa simplicidade - eu diria, inclusive, de pobreza. Nosso povo exige a pobreza de nossos sacerdotes. Exige no bom sentido, não pede isso. O povo sente seu coração magoado quando as pessoas consagradas são apegadas a dinheiro. Isso é ruim. E realmente não é um bom exemplo que um sacerdote tenha um carro último tipo, de marca. Acredito que, isso digo aos párocos, em Buenos Aires dizia sempre: é necessário que o padre tenha um carro, é necessário. Porque na paróquia há mil coisas a fazer, deslocamentos são necessários. Mas tem que ser um carro modesto. Isso quanto ao automóvel. Quanto à decisão de viver em Santa Marta, não foi tanto por razões de simplicidade. Porque o apartamento papal é grande, mas não é luxuoso. Mas a minha decisão de ficar em Santa Marta tem a ver com o meu modo de ser. Não consigo viver só. Não posso viver fechado. Preciso do contato com o povo. Então resolvi explicar da seguinte forma: fiquei em Santa Marta por razões psiquiátricas. Para não ter que viver uma solidão que não me faz bem. E também para economizar, porque caso contrário teria que gastar muito dinheiro com psiquiatras. E isso não é bom. Mas é para estar com as pessoas. Santa Marta é uma casa de hóspedes em que vivem uns 40 bispos e sacerdotes que trabalham na Santa Sé. Tem uns 130 cômodos, mais ou menos, e há sacerdotes, bispos, cardeais e leigos que moram lá. Eu como no refeitório comum a todos. Café da manhã, almoço e jantar. E a gente sempre encontra gente diferente, e isso me agrada. Essas são as razões. E agora, a regra geral. Acredito que Deus está nos pedindo, neste momento, mais simplicidade. É algo de dentro, que alegra o espírito. 

Santo Padre, quando o senhor chegou ao Rio de Janeiro houve falhas na segurança. O seu carro foi levado ali para o meio da multidão. O Papa Francisco ficou com medo? Qual foi o seu sentimento naquele momento?

Eu não sinto medo. Sou inconsciente, mas não sinto medo. Sei que ninguém morre de véspera. Quando acontecer, o que Deus permitir, será. Mas, antes de viajar, fui ver o papamóvel que seria trazido para cá. Era cercado de vidros. Se você vai estar com alguém a quem ama, amigos, e quer se comunicar, você não vai fazer essa visita dentro de uma casa de vidro. Não. 1 Eu não poderia vir ver este povo que tem um coração tão grande, protegido por uma caixa de vidro. E no automóvel, quando ando pela rua, baixo o vidro. Para poder estender a mão, saudar as pessoas. Quer dizer, ou tudo ou nada. Ou se faz a viagem como deve ser feita, com comunicação humana, ou não se faz. Comunicação pela metade não faz bem. Só agradeço - e nesse ponto tenho que ser muito claro - agradeço à segurança do Vaticano, pela forma como preparou esta visita. O cuidado que sempre tem. E agradeço à segurança do Brasil. Muito mesmo. Porque aqui também estão tendo todo o cuidado comigo, ao evitar que haja algo desagradável. Algo que pode acontecer, como alguém me atingir... Pode acontecer. Ambas as seguranças trabalharam muito bem. Mas ambas sabem que sou um indisciplinado nesse aspecto. Mas não por agir como um menino levado, não. E sim porque vim visitar pessoas, e quero tratá-las como tal. Tocando-as.

Papa Francisco, seu grande amigo cardeal Claudio Hummes, aqui do Brasil, ele me falou algumas vezes da preocupação com a perda de fiéis aqui no continente, no Brasil principalmente, para outras religiões - principalmente para religiões evangélicas. Aí eu lhe pergunto: por que acontece isso e o que pode ser feito?

Não conheço as causas, e tampouco as porcentagens. Não conheço a vida do Brasil o suficiente para dar uma resposta. Acho que o cardeal Hummes foi um dos que falaram, mas não tenho certeza. Mas se você está dizendo, sabe. Não saberia explicar esse fenômeno. Vou levantar uma hipótese. 3 Pra mim é fundamental a proximidade da Igreja. Porque a Igreja é mãe, e nem você nem eu conhecemos uma mãe por correspondência. A mãe dá carinho, toca, beija, ama. Quando a Igreja, ocupada com mil coisas, se descuida dessa proximidade, se descuida disso e só se comunica com documentos, é como uma mãe que se comunica com seu filho por carta. Não sei se foi isso o que aconteceu no Brasil. Não sei, mas sei que em alguns lugares da Argentina isso aconteceu. Essa falta de proximidade, a falta de sacerdotes. Faltam sacerdotes, então alguns locais ficam desassistidos. E as pessoas buscam, sentem necessidade do Evangelho. Um sacerdote me contou que foi como missionário a uma cidade no sul da Argentina onde não havia um sacerdote há quase 20 anos. Evidentemente, as pessoas ouviam o pastor. Porque sentiam a necessidade de escutar a palavra de Deus. Quando ele foi até lá, uma senhora muito culta disse-lhe: "Tenho raiva da Igreja porque nos abandonou. Agora vou ao culto todos os domingos ouvir o pastor, que foi quem alimentou nossa fé durante todo esse tempo." Foi a falta de proximidade. Falaram sobre isso, o sacerdote a ouviu, e quando ia se despedir, ela disse: "Padre, um momento, venha". E foi até um armário, onde havia a imagem da Virgem. E disse a ele: "Eu a escondo aqui, para o que o pastor não a veja."Essa mulher ia ao pastor, respeitava o pastor, ele falava a ela de Deus, e ela aceitava. Porque não tinha seu sacerdote. Mas as raízes de sua fé, ela as conservou escondidas num armário. Estavam lá. Esse é o fenômeno para mim mais sério. Este episódio me mostra muito bem o drama da fuga, desta mudança. Falta de proximidade. Vou repetir esta imagem. A mãe faz assim: cuida, beija, acaricia e alimenta. Não por correspondência.

Papa Francisco, quando o senhor foi escolhido no conclave, a Cúria romana especificamente era alvo de críticas - inclusive críticas internas, de vários cardeais. E o sentimento que eu percebi, pelo menos dos cardeais com quem eu conversei, era um sentimento de mudança. Esse sentimento está correto?

Vou abrir parênteses, um momento. Quando fui eleito, tinha ao meu lado meu amigo, o cardeal Hummes. Porque, pela ordem, estávamos um depois do outro. E foi ele quem me disse uma frase que me fez tanto bem: "Não se esqueça dos pobres". É lindo. Quanto à Cúria romana, ela sempre foi criticada. Mais ou menos. A Cúria se presta a críticas, e tem que resolver muitas coisas. Gosto de algumas coisas, não gosto de outras, alguns trâmites têm boas bases, outros têm um enfoque errado - como toda organização. Eu diria isto: na Cúria romana há muitos santos. Cardeais santos, bispos santos, sacerdotes, religiosos, leigos. Gente de Deus, que ama a Igreja. Isso não aparece tanto. Faz mais barulho uma árvore que cai do que um bosque que cresce. Ouvem-se os ruídos dos escândalos. Agora mesmo temos um. Escândalo de transferência de 10 ou 20 milhões de dólares de monsenhor. Belo favor faz esse senhor à Igreja, não é? Mas é preciso reconhecer que ele agiu mal, e a Igreja tem que dar a ele a punição que merece, pois agiu mal. Há casos desse tipo. No momento do conclave, antes temos o que chamamos congregações gerais - uma semana de reuniões dos cardeais. Naquela ocasião, falamos claramente dos problemas. Falamos de tudo. Porque estávamos sozinhos, e com o objetivo de saber qual era a realidade e traçar o perfil do novo Papa. E dali saíram problemas sérios, derivados em parte de tudo o que vocês conhecem: do Vatileaks, e assim por diante. Havia problemas de escândalos. Mas também havia os santos. Esses homens que deram sua vida para trabalhar pela Igreja de maneira silenciosa no Conselho Apostólico. Também se falou de certas reformas funcionais que eram necessárias. Isso é verdade. E foi pedido ao novo Papa que formasse uma comissão de fora, para estudar os problemas de organização da Cúria romana. Um mês depois da minha eleição, eu nomeei essa comissão de oito cardeais, um de cada continente - para a América, 2, América do Norte e América do Sul - com um coordenador que também é latino-americano e um secretário italiano. E já chegaram muitos documentos obtidos pelos membros das comissões e que estamos examinando. Teremos uma primeira reunião oficial sobre isso nos dias 1,2, e 3 de outubro. Discutiremos algumas pautas. Não creio que sairão decisões definitivas, porque a reforma da Cúria é muito séria, e as propostas são muito sérias, precisam ser amadurecidas. Calculo que sejam necessárias outras 2 ou 3 reuniões antes de alguma reforma de fato. Por outro lado, os teólogos dizem -não sei se desde a Idade Média - em latim, dizem: "A Igreja sempre precisa ser reformada". Para não ficar para trás. Então isto é importante não só pelos escândalos do Vatileaks, conhecidos em todo o mundo, mas porque a Igreja sempre precisa ser reformada. Há coisas que serviam no século passado, para outras épocas, outros pontos de vista, que agora não servem mais, e é preciso reorganizar. A Igreja é dinâmica e responde às coisas da vida. E tudo isso foi pedido nas reuniões dos cardeais antes do conclave. 

Papa Francisco, nesse momento o senhor chega eu queria saber da sua mensagem aos jovens brasileiros. Estamos na Jornada Mundial da Juventude. Sua mensagem num momento em que os jovens estão nas ruas do Brasil, protestando e demonstrando insatisfação de uma forma muito ampla. Eu queria saber qual a mensagem pra esses jovens?

Em primeiro lugar, tenho que deixar claro que não conheço os motivos dos protestos dos jovens. Então se digo algo a respeito sem tomar conhecimento, faço mal, faço mal a todos, pois estaria dando uma opinião sem fundamento. Com toda a franqueza lhe digo: não sei bem por que os jovens estão protestando. Este é um primeiro ponto. Segundo ponto: 2 um jovem que não protesta não me agrada. Porque o jovem tem a ilusão da utopia, e a utopia não é sempre negativa. A utopia é respirar e olhar adiante. O jovem é mais inconsequente, não tem tanta experiência de vida, é verdade. Mas às vezes a experiência nos freia. E ele tem mais energia para defender suas ideias. O jovem é essencialmente um inconformista. E isso é muito lindo! Isso é algo comum a todos os jovens. Então eu diria que, de uma forma geral, é preciso ouvir os jovens, dar-lhes meios de se expressar, e cuidar para que não sejam manipulados. Porque há tanta exploração de pessoas - trabalho escravo, por exemplo - há tantos tipos de exploração. Eu me atreveria a dizer uma coisa, sem ofender. Há pessoas que buscam a exploração de jovens. Manipulando essa ilusão, esse inconformismo que existe. E depois arruínam a vida dos jovens. Portanto, cuidado com a manipulação dos jovens. Temos sempre que ouvi-los. Cuidado. Uma família, um pai, uma mãe que não escutam o filho jovem, o isolam, geram tristeza na alma dele. E não experimentam uma troca enriquecedora. 

O mundo atual, em que vivemos, tinha caído na feroz idolatria do dinheiro. E que há uma política mundial, mundial mesmo, muito impregnada pelo protagonismo do dinheiro. Quem manda hoje é o dinheiro. Isso significa uma política mundial economicista, sem qualquer controle ético, um economicismo autossuficiente, e que vai arrumando os grupos sociais de acordo com essa conveniência. O que acontece então? Quando reina no mundo a feroz idolatria do dinheiro, se concentra muito no centro. E as pontas da sociedade, os extremos, são mal atendidos, não são cuidados, e são descartados. Até agora, vimos claramente como se descartam os idosos. Há toda uma filosofia para descartar os idosos. Não servem. Não produzem. Os jovens também não produzem muito. São uma carga que precisa ser formada. O que estamos vendo agora é que a outra ponta, a dos jovens, está em vias de ser descartada. O alto percentual de desemprego entre os jovens na Europa é alarmante. Nós vemos um fenômeno de jovens descartados. Então para sustentar esse modelo político mundial, estamos descartando os extremos. Curiosamente, os que são promessa para o futuro. Porque o futuro quem nos vai dar são os jovens, que seguirão adiante, e os idosos, que precisam transferir sabedoria aos jovens. Descartando ambos, o mundo desaba. 

Hoje, há crianças que não têm o que comer no mundo. Crianças que morrem de fome, de desnutrição. Basta ver fotografias de alguns lugares do mundo. Há doentes que não têm acesso a tratamento. Há homens e mulheres que são mendigos de rua e morrem de frio no inverno. Há crianças que não têm educação. Nada disso é notícia. Mas quando as bolsas de algumas capitais caem três ou quatro pontos, isso é tratado como uma grande catástrofe. Compreende? Esse é o drama desse humanismo desumano que estamos vivendo. Por isso é preciso recuperar os extremos, crianças e jovens. E não cair numa globalização da indiferença em relação a esses dois extremos que são o futuro da população. Perdoe se me estendi e falei demais. Mas acho que com isso lhe passei o meu ponto de vista. O que está acontecendo com os jovens no Brasil não sei. Mas, por favor, que não os manipulem, que os escutem, porque esse é um fenômeno mundial, que vai muito além do Brasil.

Papa Francisco, queria talvez a última pergunta, qual a mensagem ou o que o senhor falaria para os brasileiros católicos, mas também para os brasileiros que não são católicos- ou seja, de outras religiões. Qual a mensagem que o senhor deixaria para um país como o Brasil?

Creio que é preciso estimular uma cultura do encontro, em todo o mundo. No mundo todo. De modo que cada um sinta a necessidade de dar à humanidade os valores éticos de que a humanidade necessita. E defender uma realidade humana. Nesse aspecto, acho que é importante que todos trabalhemos pelos outros, reduzindo o egoísmo. Um trabalho pelos outros segundo os valores da sua fé. Cada religião tem suas crenças. Mas, dentro dos valores de sua própria fé, trabalhar pelo próximo. E nos encontrarmos todos para trabalhar pelos outros. Se há uma criança que tem fome, que não tem educação, o que deve nos mobilizar é que ela deixe de ter fome e tenha educação. Se essa educação virá dos católicos, dos protestantes, dos ortodoxos ou dos judeus, não importa. O que me importa é que a eduquem e saciem a sua fome. Temos que chegar a um acordo quanto a isso. Hoje a urgência é de tal ordem que não podemos brigar entre nós, à custa do sofrimento alheio. Primeiro trabalhar pelo próximo, depois conversar entre nós, com muita grandeza, levando em conta a fé de cada um, buscando nos entender. Mas sobretudo hoje em dia urge a proximidade. Sair de si mesmo para solucionar os tremendos problemas mundiais que existem. Acredito que as religiões, as diversas religiões, não podem dormir tranquilas enquanto exista uma criança que morra de fome, sem educação. Um só jovem ou idoso sem atendimento médico. Mas o trabalho das religiões não é beneficência. É verdade. Mas pelo menos na nossa fé católica, e em outras fés cristãs, vamos ser julgados por essas obras de misericórdia.

Muito obrigado.

Eu que agradeço.

FONTE: (http://g1.globo.com/)

Nenhum comentário:

Postar um comentário